domingo, 15 de novembro de 2009

Dez razões para você fabricar o seu próprio pãozinho

Se formos pensar a Internet desde o seu surgimento, o que hoje parece moderno e irreversível (conteúdo cidadão e colaborativo) já o era desde a década de 60, quando de um projeto fechado ela passou às mãos dos usuários de computadores que, rapidamente conectados, trataram de lhe dar a característica de código aberto, pressuposto do que hoje se apresenta como web 2.0.

Alguns autores já se debruçaram sobre esse tema, especialmente Castells (1995) e Levý (1999), sob um ponto de vista mais propositivo e libertário. Segundo essa visão otimista, a Internet nos levaria, inevitavelmente, a uma convivência mais próspera, democrática e participativa. Por outro lado, cuidando de por um pouco fumaça na visão mais altruísta/ingênua, o francês Wolton (2000) sinaliza para um acirramento das relações, agora com ingredientes mais sofisticados de exclusão e domínio político e econômico.

No meio disso tudo, duas categorias de cidadãos: os jornalistas, que sempre se sentiram confortáveis em nos ditar com manchetes bem delimitadas quem, o que, quando, como, onde, quando e porque deveríamos ler determinados conteúdos e, do outro, todos nós, inclusive, os jornalistas, consumidores dos conteúdos dos outros.
Como bem lembra Bambrilla (2008), não é necessário ser jornalista para perceber a virada que a tecnologia vem provocando na Comunicação humana nos últimos 15 anos. No entanto, os jornalistas, ao que parece, só agora começam a ser dar conta de que esse modelo já apresenta sinais claros de fissura e esgotamento. E isso não é uma mazela exclusiva da categoria, mas de toda uma cultura organizacional viciada das empresas de Comunicação, que sempre tratou o leitor/telespectador/ouvinte como um repositório de qualquer sorte de conteúdo.

Neste momento, é como se estivéssemos diante de uma espécie de vingança por anos de abandono de cartas com queixas legítimas, direitos de resposta não cumpridos, pautas empoeiradas e erratas inócuas. Assim, pipocam diariamente milhares de blogs, microblogs, posts em redes sociais e uma vontade incontrolável de dizer ao mundo: “Eu tenho um ponto de vista sobre este assunto e quero me manifestar”.

E aí, me recordei de um texto produzido por um ex-aluno, daqueles bons de verdade, sobre sua gratidão aos padeiros. Falávamos da legitimidade de desejar ser autor. Disse, a certa altura, o Bernardo: “(...) eu sempre estive entre os poucos pedestres que agradeciam o padeiro pelo pão nosso de cada dia. Existem dedicação e apreensão dentro de uma padaria e alguém deve ser reconhecido pelo serviço prestado. Você não fabrica o seu próprio pão, não é?”.

Nosso diálogo sobre pães continuou e, no dia seguinte, postei o texto que se segue e que resume bem o que, para mim, mais se aproxima do modelo de relação que se estabelecerá entre produtores e consumidores de conteúdo nos próximos anos (?):

Dez razões para você fabricar o seu próprio pãozinho

1. você pode fazê-lo na hora que bem entender; não vai precisar acordar às 4h da manhã pra abrir a casa às 6h;
2. você escolhe se quer mais integral ou menos integral, com farinha de linhaça ou de arroz. O pão é seu, lembre-se. A (in)digestão também;
3. você pode convidar um monte de amigos - também amantes da culinária orgânica - pra te ajudar a fazer o pão, o que pode acabar se transformando numa festa com muito vinho sem que isso macule qualquer receita original;
4. você pode entrar para uma comunidade dos fabricantes anônimos de pãozinho, trocar receitas, buscar novos fornecedores de farinha menos contaminada, tornar-se referência no tópico. Nada mal pra quem queria apenas fazer o próprio pãozinho, heim?!
5. fazer o próprio pãozinho pode te deixar com músculos mais saudáveis; apenas consumir pãezinhos, ao contrário, só faz aumentar a circunferência abdominal...
6. quanto mais pãezinhos você fizer, melhores eles vão ficar;
7. você não precisa ficar se sentindo culpado com o eventual desemprego de padeiros consagrados: a classe é organizada e tentará minimizar o SEU poder de padeiro de fundo de quintal;
8. você pode chegar à conclusão de que tem gente que faz pãozinho muito melhor, afinal, o pão do vizinho é sempre mais fresquinho;
9. fazer o próprio pãozinho dá muito trabalho, mas quem falou que era fácil?
10. você pode até decidir voltar a freqüentar a padaria, mas jamais comerá pãozinho do mesmo jeito.

Referências:

Wolton, Dominique. Pensar a Internet. In: Martins, Francisco Menezes e Silva, Juremir Machado. A genealogia do Virtual. Porto Alegre:Sulina, 2004

Castells, Manuel. Internet e Sociedade em Rede. In: Moraes, Denis, Por uma nova Comunicação.

Brambilla, Ana Maria. Olhares sobre o jornalismo colaborativo. In: Cavalcanti, Mario Lima. Eu, Midia. Rio de Janeiro: OPVS, 2008.

Um comentário:

  1. Daniela,
    Excelente o teu post. Recomendarei a leitura pelos demais participantes.
    Um abraço
    Castilho

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